Como se leva uma estrela para o céu?

"O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente." (Fernando Pessoa) Tal como o poeta, também eu finjo, imagino, invento e crio com as minhas palavras...

quinta-feira, janeiro 12

Hoje, pela primeira vez... (1)

Por ele:
Hoje, vi-te pela primeira vez. Tinha acabado de entrar no autocarro com os meus amigos e reparei imediatamente na tua pessoa, sentada no último banco, tão triste e tão séria, com ares de heroína das tragédias clássicas. As cascatas de caracóis do teu cabelo chamaram a minha atenção, mas o que me prendeu completamente foram os teus olhos, que brilhavam com lágrimas por derramar. Que segredos e mistérios esconderias tu atrás desses olhos tão tristes? Mas esses mesmos olhos que me fitaram durante vagos segundos, fugiram de mim no instante em que puseste os teus óculos escuros, escondendo-te num mundo só teu, no qual eu não podia entrar. Se calhar pensaste que assim me deixavas de fora, resguardando-te no mistério e na bruma dos teus pensamentos, afogando-te na dor que transportavas no olhar e que pensaste esconder do mundo atrás das lentes. Mas não tiveste sucesso. Por entre piadas e gargalhadas, na amena conversa que decorria entre o nosso grupo, fui-te espreitando sem que desses conta, mirando os teus traços graves, a maneira como inclinavas a cabeça para a janela, sem no entanto prestar atenção à paisagem que corria veloz lá fora, a maneira como as tuas delicadas mãos se entrelaçavam no teu colo, pousando sobre a mochila preta. A mochila! Seria isso um indício de que ainda andarias na escola, aproximando-te assim da minha idade e do meu universo? Mas como poderia essa proximidade existir se tu parecias ser de outro mundo, uma deusa caída nesta terra onde não te enquadravas, destacando-te de toda a gente com essa tua aura superior, infeliz, bela e inatingível. Nesse momento, desejei que não fosses tão inalcançável, que eu pudesse fazer algo por ti, algo real, concreto, efectivo, algo que te ajudasse a sair desse mar de tristeza e mágoa e que trouxesse um novo sorriso a esses teus lindos lábios. Parecerias tão mais humana se sorrisses… Não que te faltasse a beleza assim austera, mas se tu me mostrasses nem que fosse um pequeno sorriso, então aí talvez eu pudesse agarrar esse pedacinho de luz e rasgar um arco-íris de esperança e alegria, enquadrando-te neste mundo em que tombaste, deusa caída. Enfim, sonhos e planos irrealizáveis, pois tu nem te dignaste a conceder-me um outro olhar durante toda a viagem, apesar dos meus olhos procurarem constantemente os teus, numa tentativa vã de te dar a minha força e o meu apoio para que pudesses suportar melhor qualquer que fosse o problema pelo qual estivesses a passar.
Stop. Cheguei ao meu destino e, para minha surpresa, também tu chegaste ao teu. O ar apático com que tinhas seguido durante todo o caminho abandonou-te e olhaste em teu redor, cruzando esses teus belos olhos tristes com os meus, que te aguardavam ansiosamente. Os óculos escuros pareciam uma barreira entre nós, mas subitamente a tua mão ergueu-se e afastou essa defesa, permitindo que nos olhássemos verdadeiramente, permitindo que eu me perdesse nesse teu olhar profundo, procurando em ti tudo aquilo que me faltava e tentando dar-te tudo aquilo que me parecia fazer-te tanta falta. E esse olhar que trocámos, e que me parecia ser infindável, cedo terminou, pois a vida não espera por nós e o tempo não nos dá tempo para parar. Saí-mos ambos para a rua luminosa e cada um seguiu o seu caminho: eu fui para cima, seguindo os meus amigos para uma tarde que iria ser muito divertida, tu seguiste para baixo, como que para o fundo dos teus problemas mais íntimos. No entanto, ainda antes de te perder de vista, olhei para baixo uma última vez, procurando aqueles teus olhos que nunca mais esquecerei. Mas tu não olhaste para trás.

1 Comments:

  • At 21/2/06 19:28, Blogger T. said…

    liiindo...(d lágriminha no olho..) e a burrega n olhou!=(

    **

     

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