Hoje vestiu-se à mulher.
Os cabelos muito bem penteados, a roupa escolhida ao pormenor, o rosto pintado na perfeição… A segurança no andar, o silêncio quebrado pelo bater rítmico dos seus saltos no mármore negro do chão, a cabeça erguida numa atitude decidida e confiante. Vestiu-se à mulher para ver a reacção que isso provocaria em ti. Essa mesma reacção que tiveste ao fixares o olhar nela por mais de dois segundos, um esboço de sorriso a brincar no canto dos teus lábios, os gestos parados no ar, enquanto ela caminha resoluta na tua direcção. Pára a dois passos de ti, segurando um sorriso trémulo nos lábios escuros, os olhos nervosos procurando a tua aprovação, quem sabe um elogio… O silêncio prolonga-se agora que os seus passos deixaram de se ouvir, desce como um manto sobre vocês os dois e tu olha-la, a tua menina-mulher, especada à tua frente e esperando por ti. As palavras correm velozes na tua mente, mas a tua boca não se abre, enquanto a esperança decai nos olhos negros que se fecham lentamente, para que as lágrimas morram antes sequer de nascerem. Ergues a mão e tocas-lhe ao de leve, mas não dizes as palavras certas, não lhe alivias o coração cada vez mais pesado e a alma cada vez mais triste. No instante eterno em que durou o teu silêncio ela virou costas e partiu, ocultando por detrás de uma aparência perfeita a mágoa juvenil de um coração ainda a crescer.
Porque ela hoje vestiu-se à mulher…
mas tu conseguiste, como sempre consegues, fazê-la sentir-se uma menina…