Hoje pela primeira vez...(2)
Por ela:
Hoje, vi-te pela primeira vez. Tinhas acabado de entrar no autocarro com um grupo de amigos, mas, apesar de estares rodeado de gente, parecias distinguir-te da multidão, como se uma aura de luz te envolvesse e atraísse toda a minha atenção para a tua pessoa, enquanto caminhavas pela coxia com passos leves, cabeça erguida e um sorriso no rosto como se a vida te sorrisse de volta. Por um breve instante, os teus belos e brilhantes olhos cruzaram-se com os meus e a satisfação e alegria que vi neles pareceu-me impossível de suportar, como se não conseguisse encarar de frente aquilo que de momento faltava na minha própria vida. Decidi por isso fazer o que melhor faço sempre que temo algo: esconder-me por trás das lentes escuras dos meus óculos de sol, procurando desse modo isolar-me do mundo e proteger-me de ti e da felicidade que carregavas contigo e que eu tanto invejava e tanto temia. Não deixei, no entanto, de te observar por trás da protecção que me ofereciam os óculos, continuando a reparar na maneira despreocupada com que te movias ou na facilidade com que comunicavas com os teus amigos. As vossas gargalhadas eram ao mesmo tempo uma maldição e uma bênção para mim, pois se por um lado faziam com que eu sofresse ainda mais por não ter o mesmo na minha vida, por outro davam-me a esperança de que talvez um dia eu pudesse vir a ter essa alegria que parecia irradiar de ti, atenuando assim a minha dor. E assim fui, durante quase toda a viagem, espreitando pelo canto do olho os pequenos detalhes da tua pessoa; na maneira como passavas a mão pelas madeixas claras desse teu cabelo revolto, ou no brilho que os teus olhos adquiriam cada vez te viravas na minha direcção e me perscrutavas intensamente… Que procurarias tu? Que teria eu que te pudesse dar sem que tu já o tivesses? Noutras circunstâncias, ter-me-ia sentido orgulhosa e contente por despertar a atenção de um rapaz tão giro e interessante como tu; hoje, sentia-me apenas uma criatura de quem tu talvez tivesses piedade… Mas eu não preciso de piedade, nem sequer de caridade! Precisava apenas talvez desse teu sorriso que parecia pintar sonhos de tons brilhantes nos céus cinzentos do meu mundo, afastando por fim as nuvens carregadas que durante tanto tempo teimaram em não se mexer… Mas que digo eu? Que interesse poderias tu ter em “pintar sonhos” na vida de alguém como eu?
Stop. A minha paragem aproximava-se mas, para minha surpresa, quem carregou no botão para que o autocarro parasse foste tu. Olhei em volta para me certificar de que estava no sítio certo e finalmente os meus olhos encontraram os teus, que pareciam aguardar ansiosamente esse momento. Então, num instante em que todas as barreiras que eu andei durante tanto tempo a construir pareceram cair por terra, ergui a mão e levantei os óculos que me escondiam do mundo para te poder olhar nesses olhos que encerravam tanta ternura nas suas profundezas. No tempo em que durou esse olhar, e que pareceu tanto, embora tivesse sido tão pouco, busquei em ti toda a alegria e paz que tinhas para me dar e libertei-me por instantes da dor que transportava, trocando contigo segredos não pronunciados no silêncio daquele olhar. Mas esse olhar cedo findou e descemos ambos para a rua luminosa, cada um seguindo o seu caminho: tu seguiste os teus amigos, rindo e brincando uns com os outros rua acima, eu segui a direcção oposta, preparando-me mentalmente para abandonar a pouca esperança que me tinhas trazido e enfrentar de novo a realidade que me esperava no fundo da rua. No entanto, ainda antes de te perder de vista, olhei uma última vez para trás, tentando encontrar esse teu sorriso que tanta alegria transportava e que eu não mais esquecerei. Mas tu não olhaste para trás.
Hoje, vi-te pela primeira vez. Tinhas acabado de entrar no autocarro com um grupo de amigos, mas, apesar de estares rodeado de gente, parecias distinguir-te da multidão, como se uma aura de luz te envolvesse e atraísse toda a minha atenção para a tua pessoa, enquanto caminhavas pela coxia com passos leves, cabeça erguida e um sorriso no rosto como se a vida te sorrisse de volta. Por um breve instante, os teus belos e brilhantes olhos cruzaram-se com os meus e a satisfação e alegria que vi neles pareceu-me impossível de suportar, como se não conseguisse encarar de frente aquilo que de momento faltava na minha própria vida. Decidi por isso fazer o que melhor faço sempre que temo algo: esconder-me por trás das lentes escuras dos meus óculos de sol, procurando desse modo isolar-me do mundo e proteger-me de ti e da felicidade que carregavas contigo e que eu tanto invejava e tanto temia. Não deixei, no entanto, de te observar por trás da protecção que me ofereciam os óculos, continuando a reparar na maneira despreocupada com que te movias ou na facilidade com que comunicavas com os teus amigos. As vossas gargalhadas eram ao mesmo tempo uma maldição e uma bênção para mim, pois se por um lado faziam com que eu sofresse ainda mais por não ter o mesmo na minha vida, por outro davam-me a esperança de que talvez um dia eu pudesse vir a ter essa alegria que parecia irradiar de ti, atenuando assim a minha dor. E assim fui, durante quase toda a viagem, espreitando pelo canto do olho os pequenos detalhes da tua pessoa; na maneira como passavas a mão pelas madeixas claras desse teu cabelo revolto, ou no brilho que os teus olhos adquiriam cada vez te viravas na minha direcção e me perscrutavas intensamente… Que procurarias tu? Que teria eu que te pudesse dar sem que tu já o tivesses? Noutras circunstâncias, ter-me-ia sentido orgulhosa e contente por despertar a atenção de um rapaz tão giro e interessante como tu; hoje, sentia-me apenas uma criatura de quem tu talvez tivesses piedade… Mas eu não preciso de piedade, nem sequer de caridade! Precisava apenas talvez desse teu sorriso que parecia pintar sonhos de tons brilhantes nos céus cinzentos do meu mundo, afastando por fim as nuvens carregadas que durante tanto tempo teimaram em não se mexer… Mas que digo eu? Que interesse poderias tu ter em “pintar sonhos” na vida de alguém como eu?
Stop. A minha paragem aproximava-se mas, para minha surpresa, quem carregou no botão para que o autocarro parasse foste tu. Olhei em volta para me certificar de que estava no sítio certo e finalmente os meus olhos encontraram os teus, que pareciam aguardar ansiosamente esse momento. Então, num instante em que todas as barreiras que eu andei durante tanto tempo a construir pareceram cair por terra, ergui a mão e levantei os óculos que me escondiam do mundo para te poder olhar nesses olhos que encerravam tanta ternura nas suas profundezas. No tempo em que durou esse olhar, e que pareceu tanto, embora tivesse sido tão pouco, busquei em ti toda a alegria e paz que tinhas para me dar e libertei-me por instantes da dor que transportava, trocando contigo segredos não pronunciados no silêncio daquele olhar. Mas esse olhar cedo findou e descemos ambos para a rua luminosa, cada um seguindo o seu caminho: tu seguiste os teus amigos, rindo e brincando uns com os outros rua acima, eu segui a direcção oposta, preparando-me mentalmente para abandonar a pouca esperança que me tinhas trazido e enfrentar de novo a realidade que me esperava no fundo da rua. No entanto, ainda antes de te perder de vista, olhei uma última vez para trás, tentando encontrar esse teu sorriso que tanta alegria transportava e que eu não mais esquecerei. Mas tu não olhaste para trás.