Como se leva uma estrela para o céu?

"O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente." (Fernando Pessoa) Tal como o poeta, também eu finjo, imagino, invento e crio com as minhas palavras...

sábado, março 31

Perdida...

Sentou-se num dos bancos que ficavam defronte do rio, um livro aberto no seu colo, os olhos perdidos na imensidão cinzenta à sua frente. Do outro lado das águas turvas, a margem sul, com os seus campos e estradas, prédios e pessoas com as suas vidas, completamente ignorantes da existência daquela rapariga de olhos postos no rio…
O Sol escondera-se por detrás de nuvens escuras e o vento frio e cortante revolteava-lhe os caracóis negros e fustigava-lhe as roupas. Não se importava. Com uma clareza desconcertante, achava que o dia se adequava ao seu estado de espírito… nublado, triste e sombrio…

Baixou o olhar e tentou concentrar-se no livro que trouxera, mas as letras bailavam à sua frente sem que as compreendesse e depressa a sua atenção voou para longe. Sentia-se inquieta, vazia e cheia ao mesmo tempo, completamente incompleta… Perdera algo algures no caminho e não conseguia perceber o quê. Teria sido o seu sorriso? Não se conseguia sequer lembrar se alguma vez o tivera. Mesmo assim, deambulara em busca dele e chegara àquele banco sem saber muito bem como… Talvez fosse o destino a trazê-la ali, a fazê-la olhar para o outro lado do rio e a deixar o espaço ao seu lado livre… Talvez se ficasse muito quieta e esperasse, pacientemente… talvez… alguém viesse ocupar o banco ao seu lado e lhe trouxesse o sorriso de volta. Talvez aí o Sol voltasse a brilhar e ela já não se sentisse tão perdida...